sábado, 31 de março de 2012

“Vergonha na cara”

Ser brasileiro envolve algumas particularidades que nos torna um povo distinto. Costumamos rir da própria desgraça, fazer vista grossa para as injustiças sociais, utilizar de nosso especial jeitinho para sobreviver. À primeira vista, parecem virtudes de um povo em sua maioria sofrido, que se apega às pequenas alegrias para seguir em frente.

O problema é que, na verdade, isso tudo acaba mascarando uma sociedade passiva, explorada porque aceita esta condição, imposta por anos e anos de regime mão de ferro. Hoje, 31 de março, é aniversário do Golpe Militar de 1964, um dos capítulos mais vergonhosos da História do Brasil.

Ontem, militares se reuniram no centro do Rio de Janeiro para comemorar o que eles chamam de “revolução”. Quem foi lá protestar, tomou tapa na orelha. Normal. A ditadura, em seu modelo tradicional, terminou em 1985, com a eleição de Tancredo Neves. Mas a herança destes anos de chumbo está aí, e promete durar muito tempo.

A torcida do Atlético-MG resolveu estender uma faixa com a frase “vergonha na cara” nos jogos do clube. Não faltam motivos aos torcedores do Galo para protestar, mas não citarei nenhum deles por um motivo: somos livres para manifestar contra o que nos desagrada, desde que sem estimular a violência ou ofender terceiros.

Pelo menos, deveríamos ser. A faixa foi censurada pela Polícia Militar de Minas Gerais, sob o argumento de que era ofensiva, justificativa rechaçada pelo próprio presidente do Atlético, Alexandre Kalil. No vídeo abaixo, feito pelo torcedor Rafael Bruno e hospedado no site da torcida “Camisa 12”, podemos ver os policiais em sua mais pura essência opressora, digna de elogios de qualquer medalhão fardado dos anos 60.



Pedir vergonha na cara não é ofensivo, é um direito de cada um de nós. Na verdade, este protesto deveria ser estimulado. Devíamos ter faixas de “vergonha na cara” em frente ao Congresso, ao Senado, diante das sedes de governos estaduais e de prefeituras... devíamos ter faixas de “vergonha na cara” em frente às câmaras de vereadores, que abrigam “peixes pequenos”que, por conta disso, acreditam estar livres para fazer o que quiserem.

E principalmente devíamos estender faixas de “vergonha na cara” na frente de cada delegacia do país, para lembrar a essa Polícia a quem ela deve servir e proteger. Para lembrar que os próprios policiais não estão acima da lei, apesar de a maioria deles nem saber o que isso significa.

Falta muita vergonha na cara desse país. Falta vergonha até na minha cara e na sua, que lê este texto, porque ficamos indignados, mas continuamos passivos diante de tudo. A Polícia da ditadura batia para depois perguntar o que aconteceu. Prendia para depois procurar saber o que tinha acontecido, isso quando se dava a este trabalho.

A herança está aí, nada mudou. Tudo segue exatamente como antes no quartel de Abrantes. E a gente, com nosso jeitinho especial, continua de boca fechada, cabeça baixa, fazendo de conta que tudo está bem. E segue tomando tapa na orelha. Na orelha, e na cara sem vergonha. “Normal”.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Mais um gênio que se vai

Millôr Fernandes / Divulgação
Não contente em levar Chico Anysio na última sexta (23), a morte voltou ontem para buscar Millôr Fernandes, um dos mais importantes intelectuais que o Brasil viu nascer.

Dramaturgo, desenhista, poeta, jornalista, humorista. Millôr era, antes de tudo, um verdadeiro inconformado com as injustiças desse país.

E como este blog tem como objetivo misturar cultura, sociedade e bola, vou usar a própria genialidade de Millôr para homenageá-lo, com algumas de suas frases ligadas ao esporte bretão:

"O futebol é o ópio do povo e o narcotráfico da mídia."

"E no oitavo dia Deus fez o Milagre Brasileiro: um país todo de jogadores e técnicos de futebol."

Millôr Fernandes / Divulgação

"Ninguém joga futebol tão bem quanto o brasileiro. Isso porque o futebol e o Brasil são iguaizinhos; não têm lógica."

"O futebol chega ao máximo do descrédito - é decidido nos pênaltis, com exigência de tempo ditada pela tevê. Vai acabar sendo disputado na porrinha."

"Mal comparando, Platão era o Pelé da filosofia."

"Em 1978, lembram? O Brasil, já na técnica da retranca, perdeu a copa invicto. Empatou todas. Inventamos uma coisa extraordinária: a Invictória."

Millôr Fernandes / Divulgação


Descanse em paz, mestre.
28/03/2012

terça-feira, 27 de março de 2012

E tem trouxa que acredita

O Corinthians demitiu Adriano por justa causa. Em minha humilde opinião, o clube paulista foi rigoroso demais. Afinal, foram apenas 67 faltas ao trabalho, além de se apresentar algumas vezes bêbado.
Ora, quem nunca inventou uma desculpa para faltar ao trabalho? Resposta: Adriano, que se limitava a informar por telefone ou mensagens de texto – algumas delas de madrugada mesmo – que não trabalharia no dia seguinte.
Nesse ponto, Adriano é digno de elogios. Assumiu seu verdadeiro “eu interior”, o famoso “se quiser me amar, tem de me aceitar como sou”.
Hoje, a imprensa carioca comemora o fato de ele ter ido a um encontro com José Luiz Runco, médico do Flamengo. E ele até chegou “alguns minutos mais cedo”. Ainda tem muita gente que ama Adriano como ele é. Uma nação inteira, como dizem aqui no Rio.

sábado, 24 de março de 2012

Robinho, dez anos pedalando em busca de algo impossível

Santos, 24 de março de 2002. Apenas 1099 torcedores foram à Vila Belmiro naquele domingo para assistir à vitória do Santos sobre o Guarani pelo Torneio Rio-São Paulo. No finzinho da partida, o técnico Celso Roth tirou o meia Robert, autor dos dois gols santistas, para lançar um menino que recentemente tinha sido promovido da base.
Robinho completa neste sábado dez anos como profissional. Uma carreira que inclui as camisas de alguns dos mais tradicionais clubes do mundo. Também não lhe faltam títulos. Foi campeão por Santos, Real Madrid e Milan. Pela seleção brasileira, venceu a Copa das Confederações em 2005 e 2009, e disputou as Copas de 2006 e 2010. Tudo dentro da mais perfeita simetria, certo? Não se você deseja algo que nunca poderá conquistar.
Apenas nove meses depois de ser lançado por Celso Roth - e aposto que você nem se lembrava disso -, Robinho pedalava em um Morumbi lotado para dar o título brasileiro ao Santos, uma equipe que, naquela época, vivia apenas das glórias dos tempos de Pelé.
A habilidade com a bola nos pés lhe rendeu apelido de Robson Arantes do Nascimento, e a expectativa de que seria um dos maiores do futebol. Mas para entrar para a História, é preciso mais que isso, e o que faltava a ele há dez anos, falta ainda hoje.
A primeira grande lição que Robinho poderia ter aprendido veio com a seleção. Astro de um time que prometia trazer a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Atenas em 2004, não conseguiu passar do pré-olímpico. Com o fracasso vem a cobrança, e a chance de crescer. Mas Robinho não cresceu.
Quando chegou à conclusão de que não queria mais o Santos, fez pirraça, emburrou, e foi negociado com o Real Madrid. Foi campeão espanhol duas vezes, mas ainda não estava satisfeito. Em 2008, seduzido pelo milionário Chelsea de Felipão, forçou a transferência mais uma vez. Não conseguiu, e como castigo acabou indo parar no Manchester City, em uma negociação de 43 milhões de euros, recorde do futebol inglês à época.
No City, um novo milionário com muitos petrodólares para gastar, mas uma equipe ainda em formação, Robinho também não foi feliz. Manchester é uma cidade fria, sem muita coisa para fazer quando não se está trabalhando. Também sentiu falta dos companheiros brasileiros. Deve ter sido uma missão duríssima recrutar ingleses para formar a roda de pagode.
Depois de dois anos nessa vida infernal – período em que chegou a ter seu nome envolvido num suposto caso de estupro –, Robinho fez o que de melhor sabe quando não está satisfeito: pirraça. Arrancou um empréstimo para o Santos, e emendou com uma transferência para o Milan, onde poderia ser feliz de novo, sem muito frio e cercado de gente para desfilar seu talento no pandeiro.
Aos 28 anos, Robinho parece ter se reencontrado. Mais que isso, o futebol parece ter reencontrado Robinho. Não que ele tenha retomado as atuações que lhe valeram o sobrenome de Pelé há dez anos. As pedaladas já não são as mesmas, e nunca mais serão.
Robinho agora parece ter atingido a estabilidade em sua carreira. Joga por um grande clube, é titular em algumas partidas, banco em outras, marca seus gols e a vida segue. Tem uma carreira brilhante, foi aplaudido em alguns dos estádios mais importantes e imponentes do mundo, ganhou - e ainda ganha - muito dinheiro, é atração por onde passa.
Mas nunca se sentirá realizado, porque não atingiu – nem atingirá – o único e verdadeiro objetivo que traçou para sua carreira: ser o melhor do mundo. Não que lhe faltasse talento. Faltou algo que ele poderia ter aprendido cedo, logo em sua primeira grande lição no futebol, no fatídico pré-olímpico para Atenas, mas que passou batido, e até hoje parece não ter entrado em sua cabeça: para entrar para História é preciso crescer. E Robinho nunca cresceu.

quinta-feira, 22 de março de 2012

To beer or not to beer?

Eu gosto de cerveja. Também gosto de futebol. Logo, nada mais natural que ambos caminhem lado a lado para mim. Esclarecido este ponto, vamos ao que interessa, porque a questão aqui não é o que eu gosto, ou o que você gosta. Vai bem mais além.

Quando Pedro Álvares Cabral firmou com a Fifa o compromisso de organizar a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, já havia uma cláusula no texto redigido por Pero Vaz de Caminha afirmando que teríamos cerveja nos estádios.

Nada mais natural. Na África do Sul foi assim, na Alemanha também... E por um motivo muito simples: um dos principais patrocinadores do Mundial vende um tipo de bebida, e não é leite ou suco de tamarindo. Não sou especialista em marketing, mas imagino que nenhuma empresa depositaria milhões de dólares em um evento em que não poderia comercializar seu produto porque ele supostamente estimularia a violência.
Só que, por algum motivo, o Estatuto do Torcedor, em 2003, estipulou a proibição da venda de bebidas alcoólicas em estádios. Tudo levava a crer que esta seria apenas mais uma das leis que não pegaram no Brasil, até que, no dia 25 de abril de 2008, Ricardo Teixeira, o nosso Jabba the Hutt, resolveu barrar a cerveja no país.

Criou-se então o impasse: de um lado, um compromisso assinado pelo Governo para a organização do evento – vale lembrar que foi o Brasil que se candidatou para receber a Copa, e não a Fifa que veio aqui pedir o país emprestado; do outro, um grupo de políticos – a Frente Parlamentar Evangélica – que comprou a briga como uma questão de soberania nacional.
E são essas três palavrinhas – Frente Parlamentar Evangélica – que me incomodam... Querem proibir a venda por ir de encontro ao que diz uma lei, por medo da suposta violência que o consumo exagerado causaria, ou porque “Deus não quer”?

Leis que não são cumpridas temos aos montes. Eu, pelo menos, nunca fui defendido por um deputado depois de passar mais de uma hora numa fila de banco. O argumento da violência também não me convence. Afinal, de nada adianta proibir a venda dentro dos estádios e permiti-la nos arredores, onde qualquer um pode encher a cara até pouco antes de entrar para ver a partida. Sem contar que vários países – como a Inglaterra – já provaram que é possível combater com sucesso a violência sem precisar abrir mão da venda de bebidas alcoólicas.

Resta, portanto, uma última razão: confesso que não tenho conversado muito com Deus nos últimos tempos, mas acredito que ele, assim como eu, preferiria ver seus “representantes” em Brasília abraçando causas mais urgentes.

Porque, sinceramente, se nossos deputados se empenhassem mais em melhorar a educação, a saúde, em combater a fome e o desemprego, Deus teria um pouco mais de tempo livre. Talvez até o suficiente para assistir a uma partida de futebol enquanto bebe uma cerveja.